Tudo sobre o Glúten

Nutrição, 28/08/2018

Um determinado grupo de proteínas encontradas no trigo, na cevada e no centeio tem ganhado crescente importância nos últimos anos: o glúten. Diversas informações infundadas tratam da exclusão do glúten da dieta e abordam superficialmente um assunto dotado de complexidade.

Neste artigo, vamos explorar com bases científicas e buscar conhecer um pouco mais sobre o glúten, além de citar em quais casos sua restrição pode ser benéfica.

O que é o glúten?

Na sementes de alguns vegetais, há um tecido nutritivo chamado endosperma. O glúten é o nome geral de uma mistura de proteínas chamadas prolaminas, encontradas no endosperma do trigo, trigo-vermelho, cevada, centeio, entre outras. Algumas frações do glúten, especialmente a glutenina e a gliadina, podem se fracionar em menores peptídeos (partes de uma maior proteína, pense em bloquinhos de lego que se separam) que ativam respostas imunes nos pacientes com doença celíaca.

Glúten faz mal?

Como dito, algumas frações do glúten ativam o sistema imune de pacientes COM doença celíaca, pois possuem ligam-se a um complexo de proteínas oriundo dos genes HLA DQ8/DQ2. Nos pacientes celíacos, as funções intestinais são prejudicadas e há aumento da permeabilidade intestinal com alterações de forma e função do tecido luminal (o intestino, que é uma barreira seletiva, perde essa capacidade, ocorrendo principalmente diarréia, constipação e dores abdominais). Em algumas formas, a doença celíaca se manifesta com sintomas não convencionais: dores de cabeça, artrite, dermatites. Tal fato caracteriza uma enteropatia autoimune.

Ok, mas e se eu não tenho doença celíaca?

Em indivíduos não-celíacos, a exposição ao glúten não desencadeia uma resposta imune. Dessa forma, não há ativação do leucocitária e nenhuma resposta exacerbada do seu corpo acontece. O glúten NÃO faz mal para indivíduos não portadores da doença.

Tenho constipação frequente e dores abdominais… Devo cortar o glúten?

Quando há sintomas típicos de doença celíaca, o diagnóstico deve ser elucidado por um médico. O padrão ouro para diagnóstico é a biópsia intestinal por endoscopia digestiva. Outros exames (de sangue, por exemplo) podem auxiliar o diagnóstico, juntamente aos sintomas clínicos que o paciente expressa.

Uma onda curiosíssima, diga-se de passagem, preza a retirada do glúten da dieta para indivíduos que não têm doença celíaca ou não manifestam quaisquer sintomas que possam justificar uma dieta glúten-free. Não há respaldo na literatura para a retirada do glúten em indivíduos saudáveis. Pelo contrário: a retirada do glúten pode ser prejudicial em alguns casos. O consumo de grãos integrais, inversamente associado com doenças cardiovasculares, pode ser um motivo importante para a não retirada do glúten da dieta. Talvez a retirada de alimentos fontes de glúten possa ser benéfica, mas talvez não: consumir batata frita e tapioca com Nutella diariamente é gluten-free. Saudável?

Outro efeito importante e muito curioso é demonstrado nos pacientes onde a doença celíaca não é presente, mas que alegam sintomas gastrointestinais com o consumo de glúten: O efeito nocebo. Mesmo com o consumo de placebo (substância inerte, não contendo glúten) uma grande porcentagem de pacientes alega ter sintomas gastrointestinais.

Casos em que uma dieta gluten-free podem ser benéficas/necessárias

Como já citado, a exclusão de alimentos contendo glúten é necessária em algumas populações: portadores de doença celíaca. Em outras, com sintomas parecidos, há uma parcela que apresenta alergia ao trigo (mediada por IgE – uma imunoglobulina que também aparece em outros tipos de alergia) ou síndrome do intestino irritável (uma condição multifatorial e muito heterogênea, com difícil diagnóstico e uma gama complexa de interações).

A sensibilidade não celíaca ao glúten também pode fazer com que exista sintomas gastrointestinais mesmo quando o diagnóstico de doença celíaca não é confirmado. Essa condição também pode estar associada à sensibilidade a outros compostos, como FODMAPs (elementos fermentáveis) e a exclusão de diversos itens da dieta pode-se fazer necessária. O principal fator para decidir a exclusão ou não, nesses casos, é o autorrelato do paciente.

Responsável pelo texto: Nutricionista Rubens Tamehiro

 

 

Referências:

Mansueto, et al. Non-Celiac Gluten Sensitivity: Literature Review. Journal of the American College of Nutrition, Vol. 33, No. 1, 39–54 (2014)

Lebwohl, et al. Long term gluten consumption in adults without celiac disease and risk of coronary heart disease: prospective cohort study. BMJ 2017;357:j1892

Molina-Infante J, Carroccio A. Suspected Nonceliac Gluten Sensitivity Confirmed in Few Patients After Gluten Challenge in Double-Blind, Placebo-Controlled Trials. Clin Gastroenterol Hepatol. 2017 Mar;15(3):339-348.

Aziz, I., Hadjivassiliou, M., & Sanders, D. S. (2015). The spectrum of noncoeliac gluten sensitivity. Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology, 12(9), 516–526.